Suicídio – um Assunto que a Maioria tem Medo de Falar
Se você quer saber mais sobre o que é o Suicídio – um assunto que a maioria tem medo de falar –, como funciona a cabeça de uma pessoa que tem esse pensamento e mais, como abordá-la para que isso não aconteça, fique até o final deste artigo que a psicóloga Lara Miranda, especialista em Terapia Cognitiva e Coaching, que trabalha na Clínica Regenerati, em São Paulo, e está à frente da ConVenSer Consultoria, vai falar mais sobre isso hoje.
Estamos começando o mês de Setembro, de prevenção do suicídio, uma campanha pela vida, um tema super importante, porque é de interesse tanto do paciente quanto da família, de amigos, das pessoas que querem identificar quando alguém está pensando em suicídio e também como ajudá-lo.
Quais São os Alertas que Sinalizam que uma Pessoa Pode Cometer Suicídio?
Algumas pessoas querem sempre saber sobre que sinais observarem para identificar o suicídio; o que é a primeira coisa? Eu sempre falo muito da importância de se observar padrão de comportamento para qualquer coisa, não só para o suicídio. O padrão de comportamento é um indício enorme para observarmos em todos os casos.
Eu falo assim: “à medida que você conhece as pessoas com quem convive e identifica esse padrão, você vai melhorar e muito as suas relações”. Para o suicídio, mais uma delas.
Então, o que acontece? Se você convive com o seu filho e vê que ele gosta de sair; conversar com os amigos em rede social; está sempre envolvido com os amigos, com programas de final de semana; está viajando, e de repente começa a ficar só dentro do quarto; quando chama, às vezes, até só para almoçar, para jantar com você, ele não quer.
Esse adolescente vai abrindo mão de tudo que estava na rotina dele; diante disso, pode ascender a luz amarela, porque tem alguma alteração no padrão de comportamento, tem alguma coisa acontecendo e de maneira negativa, porque está influenciando negativamente.
Os Sinais Valem Para Qualquer Tipo de Pessoa?
“Ah, mas só isso é um indício para se pensar em suicídio?” Não, porque o suicídio não vem de uma vez, ele vem de um processo crônico; então o que pensamos? Pode ser um início de depressão; de estar sofrendo algum tipo de abuso; que são histórias preliminares que acabam direcionando para o suicídio.
Eu costumo falar que a infância e a adolescência são cruéis em relação ao tratamento que eles dão entre eles. Sendo assim, o bullying é um processo que leva ao suicídio; a maneira que um vê o outro, do tipo “ah, o meu colega pode tudo e eu não posso” ou “o meu colega tem e eu não tenho”; tudo isso vai influenciar na percepção que o seu filho tem do mundo e sobre ele no mundo.
Porque o que faz a pessoa pensar no suicídio não é o mundo, não são as relações dele, é a visão que ele tem dele no mundo; é como ele se relaciona com o mundo. E o que eu estou chamando de mundo? Estou chamando os meus pais, os meus amigos, a minha escola, o meu trabalho, os meus vizinhos; ou seja, é toda a rede, tudo que faz parte da minha vida é o meu mundo.
Quando ela começar a entender que não tem um recurso ou que não é boa o suficiente para esse mundo, é quando outro alerta está ligadinho para se pensar dela começar a trilhar alguma coisa no rumo do pensamento para o suicídio.
Agora, nesse rumo que eu falo “caminho do suicídio”, ela encontra o fator da desesperança. Esse é, para mim, o alerta: está passando da luz amarela para vermelha. A desesperança – eu falo que é um nome feio – é quando você começa a identificar que a pessoa, por exemplo, tem uma prova para fazer e não se acha capaz.
Ela tem um conflito para resolver e não se acha capaz de resolver; vive um dilema em casa e não consegue se posicionar; precisa tomar uma decisão na vida que não consegue se decidir. Então, ela está sempre vendo “não” e enxergando o escuro, não tem o que possa fazer.
E começa a desenvolver isso que chamamos de desesperança, então é a visão negativa diante do mundo e vai sendo reforçada pelas experiências dela, porque quando a pessoa está nesse estágio, já começa a não fazer muita coisa mesmo.
Então, o que falamos que vai sendo reforçado o negativo, é porque se você vai deixando de fazer, vai acreditando naquilo que não é capaz de fazer, logo, a sua experiência vai reforçando o seu pensamento de que não está conseguindo, não tem nada que possa fazer e nada na vida vai melhorar.
Só que é uma visão negativa sobre si, mas muitas vezes a pessoa está esperando que o mundo dê uma resposta diferente, ela não consegue atuar ou ver, a percepção está abatida pela depressão, de como ela poderia se envolver naquele cenário e fazer alguma coisa diferente.
Assim sendo, é a hora em que a família, os amigos, a igreja, a religião, a fé, o tratamento, a psicoterapia e o medicamento ajudam. Então, precisamos de um conjunto de coisas que vai envolver esse paciente e ajudá-lo nesse momento.
Agora o principal: normalmente, quem mais identifica não é o paciente, é quem convive com ele. Então, isso é uma coisa que quanto mais alerta você estiver para as pessoas com quem convive, mais rápido você vai conseguir identificar.
Por isso eu falo que essa questão do padrão de comportamento é tão importante, porque o paciente só começa a entender que está cansado, desanimado, sem vontade e, às vezes, associa para falar que é um estresse, por exemplo. Ele não identifica, no início, só começa a identificar o risco dele quando já começa a pensar no suicídio.
Porque o suicídio vem com três etapas, eu costumo falar. A primeira é aquela em que a pessoa fala “ah, se eu morresse, seria melhor”. Então, é um pensamento muito solto, não tem segmento, não está contextualizado e a pessoa acaba não fazendo nada além daquilo que o pensamento disse.
Ela queria, na verdade, que o meio desse um jeito. Por exemplo, se alguém batesse no carro dela, causasse um acidente e ela morresse daquilo, seria perfeito; se alguém tentasse um assalto e a matasse, seria ideal.
Eu até falo que existem indivíduos que são suicidas em potencial. Alguns ficam rindo porque são aquelas pessoas que nunca cometeriam um “suicídio”, mas que fazem coisas que são meio que suicidas, do tipo: saem dirigindo de qualquer jeito, consomem bebida alcoólica e dirigem, logo, estão colocando a vida em risco.
Também, no meu ponto de vista, existem maneiras e maneiras de se buscar alguma coisa que se está querendo; às vezes, até um comportamento desse levamos em consideração do que a pessoa está fazendo, porque ela não se cuida, não se previne, não avalia o risco que se expõe.
A segunda etapa dessa questão envolve quando a pessoa começa a planejar o suicídio e já é um estágio mais avançado. São enormes quantidades que as pessoas falam, então escutamos muito enforcamento, ingestão de medicamento, questão de se machucar com cortes; essas são as maneiras mais comuns.
E o que chama a atenção é que a pessoa já começa a planejar onde faria, que objeto usaria, que horas faria, o horário em que vai estar sozinha, o horário que ninguém vai descobrir e chega ao ponto de até planejar, por exemplo, quem ela quer que a encontre depois de ter tentado.
Teve a filha de uma amiga da minha mãe que escreveu um bilhete, pulou – não lembro o andar, mas muito alto do prédio onde morava – e estava com um bilhete na mão com o telefone da pessoa que ela queria que ligasse, que era da irmã dela, não queria que ligasse para mãe, para ninguém.
Então, para vocês verem o que é o planejamento do suicídio: a pessoa deixa tudo muito organizado, muito fechado, até a terceira etapa, que é quando ela realmente faz o ato em si.
E diante disso pensamos: “mas por que a pessoa queria morrer”? Essa talvez seja a pergunta mais complicada e talvez nem o próprio paciente saiba, porque eu nunca escutei de ninguém que tivesse tentado suicídio, que veio para o consultório, que quisesse morrer.
Tudo que eu escuto é: “eu não aguentava mais”. E o “não aguentar mais” não representa querer morrer, está associado a querer ficar livre de algum problema. Então, eu trabalho muito nessa condição de o quanto morrer resolveria o problema.
Porque quando eles vêm depois da tentativa, existe muita condição de vergonha, arrependimento, culpa, ele fica mal com isso, consegue perceber que existem outros valores na vida dele que não só essa condição de desistir de alguma coisa e trabalhamos um pouco nisso. Então, essa condição de você olhar para cada história, pessoa, saber o que é importante para cada um, é o pontapé, a chave para prevenirmos o suicídio.
Como Prevenir o Suicídio?
Estamos, como eu estou falando para vocês, primeiro, identificando alteração de padrão de comportamento; e de olho nas pessoas que começam a fazer planejamentos, começam a se isolar, e no que elas têm de valores na vida, porque quando identificamos alguém que está perdendo a cor da vida – a cor da vida que eu falo é perdendo a graça, prazer, a vontade na vida –, o que fazemos? Trazemos de volta os valores dele e que, muitas vezes, estão na família, nos filhos, no marido, na esposa, em Deus.
Então, não existe um livro de receita pronto; quem vai te dar essa resposta é o próprio paciente. É com base na história dele que usamos esses argumentos e essas ferramentas de prevenção ao suicídio.
Mas tudo isso estamos falando do campo cognitivo, porque quando chega, por exemplo, um paciente no consultório e é uma das situações em que o psicólogo tem inclusive a autonomia para conversar com a família, é quando a pessoa está falando na ideação suicida.
Diante disso, conversamos com a família, damos orientações sobre as prevenções e uma delas é não deixar esse paciente sozinho hora nenhuma. No mundo em que vivemos, com o ritmo de vida que temos, isso é uma coisa muito difícil de conseguir, então, muitas vezes, a indicação de internação acontece.
E o paciente, em um momento crítico, parte para uma internação até sair daquela fase que é muito arriscada para ele, até para preservação da vida. Depois, ele continua o tratamento em casa, com os remédios que o psiquiatra recomendar, com a própria terapia, e assim ele consegue.
Então, a prevenção é a observação de quem convive; para o paciente, a prevenção é não negar nenhum sintoma do que está vivendo – quando você percebe que não está se sentindo bem, está perdendo a graça, é um indício de depressão.
Terapia, remédio vão ajudar muito, porque o remédio vai entrar com uma função de estabilizar o humor, tirar daquele quadro depressivo, vai melhorar a qualidade de sono – são pacientes que dormem demais ou não conseguem dormir, então se o sono não estiver regular, não têm uma qualidade de vida, de humor, ficam irritados e vai virando um efeito cascata em que não conseguem mais ter controle.
E a sensação da falta de controle é mais uma coisa que leva no caminho para reforçar a depressão, para pensar no suicídio, porque ela começa a identificar que não está conseguindo controlar nem o que sente, quanto mais o que acontece na vida dela, e o que quer conseguir. Então, é uma das coisas que estamos sempre orientando, alertando.
Não pense: “Ai, que vergonha”, “Ah, mas é um vexame esse tipo de coisa”, porque é uma doença, precisa ser tratada. Não temos vergonha de doença e é muito mais difícil lidar com a perda, com a tentativa do suicídio, com a culpa que vem depois do que buscar o tratamento antes. Então, a prevenção é sempre o melhor recurso.
Recomendações para Pais, Professores e Amigos
Um alerta para vocês: é uma condição que tem preocupado muito, porque a taxa de suicídio tem aumentado ao longo dos últimos anos muito entre as pessoas mais jovens. E começamos a pensar: “mas um jovem pensando, idealizando e executando um suicídio”?
Tem muitos fatores que estão envolvidos nisso: o bullying, as relações, o mundo – como tem cobrado dos jovens e muitos deles não têm recurso para lidar com essas cobranças, não conseguem identificar isso. E se juntar tudo, a família não identifica, o jovem não identifica, às vezes o próprio adolescente tem dificuldade de pedir ajuda, a família não percebe e assim temos “um prato cheio” para a situação acontecer.
Existe uma condição que é comum até os pais serem chamados pela escola, porque o menino começa a ter queda nas notas, no rendimento, no comportamento e muitos familiares até negam isso, porque acham que “é coisa da adolescência, isso vai passar”. A escola pode ajudar muito, os grupos em que o seu filho está inserido vão ajudar muito pelos sinais que eles dão.
Boa parte do dia, as crianças e os adolescentes estão na escola, então ela vai perceber por rendimento acadêmico, pelo comportamento, pela relação do aluno com os professores, com os colegas, e até pela maneira dele se vestir, se portar – a escola tem condição de observar e passar esses dados para os pais.
Chamou a atenção da escola no padrão de comportamento, é quando ela provavelmente vai chamar você pai, você mãe, vai conversar, orientar. Em seguida, é a hora de tomar alguma providência em relação a tudo isso.
Toda Pessoa com Depressão Pode Cometer Suicídio?
Agora, como eu estava falando para vocês, para minha surpresa, eu sempre achei, antes de experiência de consultório, que quem se suicidava eram só os depressivos graves; hoje eu já sei que não são. Então, me preocupam mais os pacientes, como eu falei já com vocês, do transtorno bipolar. Os dependentes químicos também têm um alto índice de suicídio, principalmente na fase de abstinência da droga.
Logo, é outra condição que temos que estar de olho, porque a abstinência é um momento de necessidade fisiológica da pessoa; quando ela não consegue lidar com isso, pode ir ao suicídio – e abstinência leva a comportamentos impulsivos, que é o quadro da compulsão inclusive, em que não tem controle e a pessoa comete o suicídio.
Então, outra condição que não seja a psíquica, emocional, é relacionada à dependência química, ou seja, tirem da cabeça que só o paciente depressivo vai fazer e que precisa ser só um depressivo grave.
Depressivo grave é aquele paciente que está no quarto, no escuro, não está nem tomando banho, só quer ficar deitado, não quer ver ninguém, não consegue fazer o planejamento, a ideação suicida.
Portanto, fiquem de olho, esqueçam essa história de que “é só um determinado caso”, porque existem várias chances, não negamos; quando fala assim: “ah, mas o ‘fulano’ está falando, quem fala não faz”. Verdade isso? Não, eu já vi casos de quem falava ter feito e também já vi casos de quem nunca falou, fez.
Sendo assim, qual é a regra? Não existe; a regra é a observação, a atenção. Normalmente, as pessoas que falam são as que já abordam outras coisas da vida, elas não vão falar só sobre a vontade de desistir, de morrer, de se matar. E as pessoas que não falam são aquelas que já não falavam antes mesmo. Então, isso não vai alterar o padrão de comportamento – não espere que a pessoa vá falar claramente com você ou que você tem que ficar adivinhando.
A ideia não é essa de ficar adivinhando o pensamento das pessoas. A ideia é que você observe as pessoas; isso vai te ajudar muito. Principalmente, porque, agora, falando enquanto amigo, professor, profissional de saúde que acompanha, enquanto família, é um assunto muito difícil abordarmos, porque a família se culpa muito, por exemplo.
Como Confortar Pessoas que Perderam um Ente Querido ou Outra Pessoa de Suicídio?
A primeira coisa que a família tem quando há um caso de suicídio é a culpa de “onde nós erramos? Por que não percebemos? O que poderíamos ter feito?”, enquanto que não teve erro de ninguém, não teve falta de acolhida, foi uma decisão do paciente. E dar o apoio para essa rede que ficou de amigos, de família, todo mundo envolvido naquele processo, é outra coisa importante, inclusive para quem convive nesse cenário.
E sempre ficamos de olho quando um paciente tem histórico de suicídio na família, porque existe a predisposição da depressão – é uma coisa que nós, profissionais de saúde, sempre investigamos.
Então, se a família começa a se culpar, principalmente dependendo da proximidade, daquele grau de parentesco, ela começa a não ver motivo para continuar vivendo e, assim, nós vamos voltar naquele início: “não ter motivo para continuar vivendo”, ”não ver luz no fim do túnel”, “não ter motivação”, e começa todo o ciclo inicial da depressão até a ideação, o planejamento e a execução do suicídio. Logo, é fundamental essa rede de apoio para a família e para o paciente.
Assista ao vídeo e saiba mais: