Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar e Procrastinação
Hipermobilidade Ligamentar e Procrastinação. Se você quer saber a relação entre ser estabanado, desajeitado e alterações psicológicas, como ansiedade, dificuldade de execução de tarefas e procrastinação, continue lendo este artigo que vou falar mais sobre isso hoje.
Meu nome é Dr. Willian Rezende do Carmo, sou médico neurologista, fundador da Clínica Regenerati e no meu canal do YouTube eu também falo sobre Dor, Sono, Parkinson, Emoções, Neurologia Geral e sempre temos novidades do mundo da Neurologia para trazer para você.
E as novidades a respeito do mundo da intersecção do corpo físico, das Neurologias Periférica e Central crescem cada vez mais, assim como também cresceu muito o entendimento de uma síndrome chamada Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar.
Hipermobilidade Ligamentar – O que é Isso?
Uma pessoa hipermóvel é quem tem os ligamentos mais frouxos do que as demais. Todo osso é ligado a outro através de um ligamento; ou seja, tem as articulações e para que um osso não fique solto do outro, temos os ligamentos.
Eles são feitos de colágeno e podem ser de uma consistência como a de um elástico novo – igual ao de dinheiro que tem uma elasticidade vigorosa que volta para sua posição normal – ou também podem ser feitos de um material de colágeno mais frouxo que permite uma deformidade maior da sua extensão.
Critérios Para Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar
Quem tem a Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar apresenta uma alteração na conformação do colágeno que permite que os ligamentos sejam mais frouxos e mais flexíveis.
A pessoa consegue levar o polegar para o rádio, que é um osso do antebraço; o dedo mindinho a mais de 180 graus ou ter mais de 180 graus na flexão do braço. Assim como também é capaz de levar a perna a mais de 180 graus, logo o joelho vai para trás e o indivíduo encosta facilmente as mãos no chão com a perna esticada.
Mas para que serve isso? Bem, além de servir para a pessoa trabalhar no Cirque du Soleil ou em qualquer outro circo, isso serve para que se tenha pouca consciência corporal.
Entretanto, o que tem a ver uma coisa com a outra? O que tem a ver é que mesmo que você não veja a sua mão e nem toque nela, você sabe em que posições estão os seus dedos e os seus braços. Ou seja, você tem essa consciência por conta da propriocepção, que é a percepção de si mesmo.
Propriocepção – Como que eu Sinto Isso?
Em cada ligamento existem receptores e terminais nervosos com um aparelho, que é um receptor que capta a distensão ou não daquele ligamento. Se o ligamento é feito de um material elástico firme, tem uma precisão muito maior da distensão ou não daquele ligamento. Porém, se ele é feito de um material muito elástico, com uma elasticidade muito grande, a informação a respeito da distensão ou não daquele ligamento é menor.
Por exemplo, uma articulação tem ligamento dos quatro lados e cada articulação manda receptores para o cérebro que prosseguem para o cerebelo – uma região localizada na parte de trás do cérebro – que condensa toda essa informação de propriocepção que vem do corpo e transforma tudo isso em um Mapa Tridimensional em Tempo Real do Corpo.
Logo, você tem consciência tridimensional do seu corpo sem ter que ficar olhando ou tocando nele com a mão por conta dessas informações oriundas dos ligamentos, que são chamadas de propriocepção.
E essa propriocepção é extremamente importante para várias coisas: é ela que dá a informação de onde está a sua mão para que o cérebro controle o movimento que irá fazer. Por exemplo, se algo está caindo e você vai pegar com a mão, além da visão, importa muito saber exatamente a posição de onde está o seu braço para que ele faça o trajeto correto e pegue o objeto no ar.
Se a propriocepção da pessoa não é boa, ou seja, se ela não tem uma boa consciência corporal, ela vai acabar errando e sendo mais estabanada. Por exemplo, quando tentar pegar uma coisa, irá derrubar da mão ao tentar segurar, assim como irá tropeçar ou bater o pé na quina ao andar. Ela vai ser uma pessoa com uma execução motora não tão precisa, mas porque a informação de onde está a mão e a consciência corporal já são imprecisas desde o princípio.
E isso acontece desde o início da vida. Então é aquela pessoa que tem uma baixa consciência corporal e, por consequência, um baixo planejamento motor e uma execução motora não tão eficiente, porque a informação da propriocepção já chega assim no cerebelo. Chegando ao cerebelo, ela é processada; cria-se um mapa tridimensional em tempo real e isso é enviado para o córtex pré-frontal contralateral, através da Diásquise cerebelar.
A diásquise cerebelar, por sua vez, é a conexão entre a parte posterior do cerebelo e a parte anterior do cérebro com o pré-frontal, que é responsável pelo planejamento do movimento.
Se uma pessoa quer executar um movimento, ela tem que ter um desenho e uma intenção do que deseja fazer. Primeiro, ela desenha a intenção e depois manda ao córtex motor para que seja executada. E se a informação que chega para desenhar a ideia do movimento não é correta, é enviada para o córtex motor uma programação motora imprecisa.
Bem, e qual é a importância prática disso? Antes de qualquer coisa, pense na seguinte frase: “O que você faz na sua vida que não é uma ação motora”? Se você fala alguma coisa, é uma ação motora, por estar movendo os músculos da fala e da garganta; se fica parado, é uma ação motora de ficar parado; se você age, no impulso ou não, também é uma ação motora; se faz uma ação de maneira desordenada, é uma ação motora. Ou seja, qualquer coisa que você execute que não seja pensar, é uma ação motora.
E foi descoberto que as pessoas com Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar apresentam uma maior tendência a ter dificuldades executivas. Elas possuem maior dificuldade de planejamento e execução de tarefas desde que nasceram, desde que eram bebezinhos, quando tinham que planejar uma tarefa para fazer uma ação motora simples, mas ela já não era precisa, logo a criança cresceu fazendo planejamentos motores imprecisos.
Com isso, essas pessoas acabam tendo mais problemas emocionais e mais dificuldades de autocontrole e de planejamento e execução, tanto que é comum acabarem procrastinando com várias coisas.
E o mais lindo de tudo é que a propriocepção pode ser treinada. A gente pode treinar o cérebro a funcionar da melhor maneira possível com aquele sinal que não é tão bom da propriocepção, que são receptores dos ligamentos, mesmo naqueles que são frouxos na pessoa que é hipermóvel. Assim como acontece com o sinal de rádio que não é tão bom e você pega um amplificador para captar aquele sinal que está fraco, amplificá-lo e transformá-lo em um sinal bom e útil.
Da mesma maneira, através da fisioterapia, de exercícios específicos e da estimulação magnética transcraniana é possível estimular a capacidade proprioceptiva da pessoa e, por consequência, melhorar a sua capacidade executiva e o seu controle psíquico.
E olha que legal! Eu vou contar o exemplo de duas pacientes minhas que foram casos muito interessantes: Uma delas tem um transtorno bipolar e ela veio por conta de insônia, já que estava com dificuldade para dormir.
O bipolar pode ficar sem dormir, porque ele fica muito agitado, em fase de euforia e isso faz com que perca o sono. Mas neste caso, era por causa da depressão, que é quando a pessoa acorda no meio da madrugada e não volta a dormir.
Eu dei o medicamento que pode ser dado para depressão e para pessoa bipolar, que é o bupropiona. Ela melhorou da depressão, que não era tão grave, parou de ficar acordando de madrugada e estava bem. Mas ela ainda não conseguia ter foco no trabalho, estava meio dispersa, então eu fiz ultrassom transcraniano, avaliação neuropsicológica e vi que tinha TDAH.
Com isso, dei o medicamento próprio para esses tipos de casos, que é o venvanse e ela melhorou muito. Começou a ficar atenta, focada, desperta e a apresentar melhores resultados no trabalho, que exige uma capacidade mental bem aguçada para compras e vendas, e para tomar decisões muito rápidas sobre o que fazer com determinadas mercadorias.
Ela já não estava mais depressiva, nem ansiosa, estava dormindo bem e focada no trabalho, mas ainda havia um problema: chegava no final de semana, ela não fazia nada. Só ficava procrastinando as rotinas que tinha para fazer que envolviam tanto ela quanto as tarefas do lar, como comprar coisas para casa; ir ao supermercado, ao pet shop e fazer as unhas e o cabelo, por exemplo. Ela não fazia nada disso, só ficava procrastinando. Mas se alguém a buscasse para sair, ela até iria, mas por conta própria ela não fazia.
E vi que ela estava com uma dificuldade executiva, porque conseguia reagir. Quando vinha uma demanda do trabalho, ela reagia, mas quando era para fazer um planejamento de ações e executá-las, tinha dificuldade.
Portanto, eu a examinei e concluí que tinha todos os critérios para Síndrome de Hipermobilidade. Então eu propus que fizesse treinos de fisioterapia para ganhar habilidade proprioceptiva – são treinos para a pessoa ganhar mais propriocepção. E, além disso, solicitei que fizesse a fixação ou a ampliação daquele benefício através da estimulação magnética transcraniana, que é uma técnica de neuromodulação.
Depois de 06 semanas de fisioterapia para propriocepção e de estimulação magnética transcraniana, ela voltou ao consultório com uma carta da sua psicóloga – que a acompanha há mais tempo do que eu – me dando os parabéns e falando que nunca tinha visto ela conseguir virar uma pessoa executiva, que tem a capacidade de autocuidado igual estava apresentando nos últimos tempos.
Ela mesma estava fazendo as coisas: ia sozinha ao supermercado, ao pet shop e ao salão; ela sozinha comprou presentes e roupa nova. Parece pouca coisa, mas não para quem, às vezes, tem dificuldade de planejamento e execução, procrastina nessas pequenas coisas e vai dando apenas respostas reativas àquilo que é demandado.
A segunda paciente é uma japonesa que está estudando para vestibular. Ela chegou na Clínica piscando excessivamente; a mãe estava achando que era uma síndrome japonesa, chamada Síndrome de Meige, porque eles eram nipônicos e que era para eu aplicar toxina botulínica.
Eu me neguei e falei que iríamos analisar melhor a situação. E logo vi que, na verdade, ela tinha um padrão de tique nervoso, portanto não fiz a aplicação de toxina botulínica; e sim, indiquei um medicamento para reduzir a ansiedade.
Melhorou a ansiedade e acabou o tique. Em seguida, fomos analisar o que estava causando: ela estava se sentindo muito pressionada para ter bons resultados para passar no vestibular de Medicina, o que estava deixando-a extremamente estressada.
Depois que fez o tratamento com medicamento e com a psicóloga, o estresse diminuiu muito, mas vimos que ela também tinha elementos de Déficit de Atenção. Então fez ultrassom transcraniano, avaliação neuropsicológica e o diagnóstico foi confirmado. Tivemos ótimos resultados com o tratamento: ela melhorou muito após a terapia ocupacional e o uso de medicamentos. Agora conseguia prestar atenção nas aulas, se concentrar e ficar focada para fazer a prova inteira bem.
Ela relatou que estava melhor, mas ainda não conseguia executar o plano de estudos que havia feito com a terapeuta ocupacional. Disse que chegava da escola e não fazia; conseguia prestar atenção na aula, focar para realizar as provas, mas não conseguia executar o plano de estudos.
Diante disso, eu logo pensei em déficit executivo. Ela ainda tinha alguma dificuldade de planejamento e execução. Então, indiquei a fisioterapia com treino de propriocepção e a estimulação magnética transcraniana, após testá-la para a condição e o diagnóstico ter sido positivo para Síndrome de Hipermobilidade Ligamentar.
Após 06 semanas, voltou outra pessoa – são duas sessões por semana de fisioterapia e de estimulação magnética. Falou que estava conseguindo fazer o seu plano de estudos: parava para executar as tarefas; fazia as pausas de acordo com o planejado; não se cansava e ainda se sentia muito mais realizada, porque estava conseguindo executar aquilo que tinha se proposto a fazer.
E isso foi muito legal. Foram dois relatos de pacientes que já estão se tratando – tem outros que ainda estão no meio do tratamento e que vão voltar com seus relatos – mas desses já tive os feedbacks que compartilhei com vocês.
Se você conhece alguém que tem dificuldade para executar determinadas tarefas, que é um procrastinador nato e que não esteja mais depressivo, ansioso ou sem controlar o TDAH, pode ser que essa pessoa tenha um déficit proprioceptivo e isso a acompanha desde o seu nascimento e interfere na sua capacidade de planejamento e execução de tarefas, e às vezes nem sabe que é possível se tratar.
Então se conhece essa pessoa, compartilhe o link desse artigo com ela. Escreva nos comentários a história que sabe sobre a questão da procrastinação e dificuldade executiva, e dê um like. Pois conhecimento, quanto mais compartilhado, melhor para todos.
Assista ao vídeo abaixo e saiba mais sobre a relação entre Hipermobilidade Ligamentar e Procrastinação: